Lavadores de Pés

Compartilhamento

Lavadores de pés

 

O tempo estava chegando ao fim.
Os amigos respiravam a mesma proximidade
E um leve sentimento de saudade
Mas nenhum deles ousava perguntar nada.
Estava próxima a grande festa
E tinham-se reunido para comer e beber
À volta da mesa da alegria e do aconchego
Como era costume entre eles.

A mesa estava posta
Porque alguns deles tinham ido à cidade
E preparado tudo com antecedência.
Nada tinha sido esquecido.
Havia pão e vinho sobre a mesa
E havia muita expetativa também,
De que talvez um mestre-amigo-Jesus
Fosse proclamar solene mais um sermão 
Ou contar a última parábola
Ou ensinar como curar algum cego 
No caminho do Templo de Jerusalém.

Mas esse mestre-amigo-Jesus
Não correspondeu às expetativas dos discípulos
E ficou em silêncio.
Até que de repente se levantou
E perante a surpresa e o espanto dos discípulos
Despiu o manto
Colocou uma touca na cabeça
E umas luvas cirúrgicas nas mãos
Colocou uma máscara no rosto
Vestiu um equipamento de proteção individual
E ajoelhou-se diante dos seus amigos queridos.

Passou diante deles e inclinando-se sobre cada um
Começou a lavar-lhes os pés
Lavando-os com a mesma sensibilidade
E o mesmo toque com que um dia
Tinha sido tocado por uma mulher
Em casa de um amigo importante.

Este mestre-amigo
Inclinado, abaixado diante de cada discípulo
Lavou todas as suas feridas interiores
E acolheu aqueles pés cansados 
E aqueles corações ainda perdidos
Duvidantes  e com falsas expetativas.
E esquecendo que tinha colocado uma máscara facial
Beijou-lhes também os pés.

Um deles, Simão – quando chegou a sua vez
Não quis que Jesus o tocasse daquela forma
E lhe lavasse os pés.
Desse jeito não! – praguejou.
 - Tira isso mestre! Estás vestido de plástico.
Quero ver-te… do jeito que és.
Nunca me lavarás os pés!
Simão! – disse Jesus – Se não te lavar, 
Não terás parte comigo!
E Simão e todos os outros
Mesmo sem entenderem nada
Deixaram que Jesus se abaixasse 
E continuasse o seu silencioso gesto.

Então se levantou e retomou o seu lugar à mesa
Mas não despiu nada!
Não retirou nenhum dos trajes que tinha vestido
Apenas disse com solenidade:
Entendestes o que vos fiz?
Dei-vos o exemplo para que façais
A mesma coisa!

Algum tempo depois
Estes e outros discípulos
Começaram a entender o significado 
E o convite do gesto de Jesus.
E saíram pelo mundo cuidando
E abraçando, e tocando feridas
E acolhendo corações sedentos
E abaixando-se diante de leitos moribundos
Em casas escondidas e distantes
Ou em hospitais cheios de doentes.

E alguns nem tinham máscara
Nem equipamento de proteção individual
Nem medicamentos suficientes para o cuidado de todos.
Mas estavam lá… abaixados, próximos
Resistentes, dedicados, cansados.
Cheios de medo e de incerteza
Mas continuando e lavando os pés e as mãos 
E o coração aflito dos que lhes tinham sido confiados.

Falava-se deles nos jornais.
E faziam-se homenagens batendo palmas
Em varandas de tantas ruas
E de tantas cidades.
Mas quase ninguém entendia 
Talvez nem eles mesmos
Que mesmo sem o saberem
Ou sem o desejarem
Estavam repetindo o mesmo gesto
De um amigo-mestre-Jesus
Em dia de despedida com os seus discípulos.

A liturgia de uma semana que chamavam de santa
Ficou esquecida e silenciosa
Perdida entre igrejas e catedrais vazias
Procissões que não saíram à rua
E homilias e mensagens pascais 
Tecidas de indiferença e de omissão.
No lugar destas liturgias solenes
O mundo encheu-se de anónimos
Lavadores de pés
Acendendo a esperança em tantos corações.

Pe. Afonso, CSh

Veja o ultimos artigos da Comunidade

Acompanhe nossas redes sociais

Siga-nos pelo Facebook

Siga-nos pelo Instagram

Acompanhe nosso canal no Youtube