Cantares do Advento III

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Cantares do Advento 2020 (III)

 

I – Um mundo novo é possível

Arde a terra em ânsias de ser fogo da justiça que provoca o renascer,

Ouve-se da boca dos mais pobres o direito que todos têm ao viver,

Voa a cinza, voa o vento, voa o tempo, no bucho dos animais se vão perder,

Cala-se a boca dos famintos, porque os homens não vão mais vender.

 

Chegou o tempo de pensar inteligente,

com amor louco,

não existe amor frio, o Amor é quente.

 

A Terra grita, a Humanidade grita,

ídolos não escutam

misericórdia escuta e vem.

 

O passado e o futuro se encontram no agora

o que foi e o que vem, eternidade presente, Deus está.

A Encarnação é o tempo concentrado.

É o Reino novo, a grande transformação.

 

A Terra arde... a justiça é uma palavra ardente.

O Reino vem, é o momento.

Outro mundo é possível,

verde, sustentável, fraterno,

economia solidária, gratuidade, dignidade,

o direito que todos têm ao viver e ao morrer, em paz.

As utopias não se concretizam totalmente aqui,

mas apresentam a direção certa.

 

Sonhamos e acreditamos e fazemos.

O tempo é agora. Deus está.

 

“Todos vós que tendes sede, vinde buscar água.

Vinde também vós que não tendes dinheiro:

comprai e comei sem dinheiro e bebei vinho e leite sem pagar.” (Is 55,1)

 

II – Mudança de época

Nos cafés, nos cinemas e nas praças, não se bebe nem se pede pra dançar,

Jovens e mulheres são contentes, porque a vida assumiu o seu pensar,

Pretos, brancos e amarelos já pararam, porque viram que as montanhas estão em pó,

Choram diplomatas sem querer, porque os homens não vão mais vender.

 

Um ciclo vai fechando, outro está iniciando.

Inteligência zero é o ciclo da guerra, do lucro, do consumo,

das indústrias da fome e da miséria, do aquecimento global, da produção de lixo.

Comemos e bebemos plásticos e restos de embalagens.

 

Este vírus gostou de nós, veio para ficar e não nos larga.

Parece que ele percebeu que devia cobrar dos humanos, atacou o mal na fonte.

 

Uma vacina está a chegar. Alguns estão de olho para lucrar?

Fizeram do lucro a motivação da vida e das transações financeiras o sistema de vida e da acumulação de riqueza inútil a finalidade da vida.

Não basta embrulhar a vida com um papel novo se o miolo continuar igual.

 

Mas acredita, não deixes a tristeza entrar.

Foi quebrado o círculo fechado da inteligência sem sabedoria.

As montanhas estão em pó. O caminho está mais fácil de abrir.

É tempo de acreditar e sonhar.

A Encarnação de Jesus sustenta a nossa esperança.

Deus está dentro da nossa História.

 

Não mais venderemos o sonho, o sorriso, o corpo, a alegria,

um projeto de vida feliz, a dignidade, a liberdade.

Não mais venderemos pessoas, países, armas, crianças, animais, a terra, casa de todos nós.

Não mais venderemos uma lixeira de consumo.

Não mais tiraremos proveito em cima dos nossos irmãos e irmãs.

Não mais haverá acordos entre países, para tirar dos que não têm o suficiente e aumentar a inutilidade e o desperdício dos bens de outros.

 

Reduzir, reciclar, reaproveitar são palavras chave para a meta: não produzir ou consumir o prejudicial e o supérfluo.

A simplicidade nos guiará.

 

“Das espadas eles fabricarão enxadas, e das lanças farão foices.

Nenhuma nação pegará em armas contra outra,

e ninguém mais vai treinar-se para a guerra.

Vinde, casa de Jacob: vamos caminhar à luz do Senhor.” (Is 2,4-5)

 

III – A pedagogia da liberdade

No silêncio dos casebres onde entrava, pelos buracos a terna luz do luar,

Ouve-se o cigano a cantar e a chuva adormece no seu lar,

Sol ou sombra, frio ou quente são iguais, nenhum dano podem ao pobre causar,

Brincam os vencidos por vencer, porque os homens não vão mais vender.

 

Foram muitas as vozes que engradeceram o vírus pelas fragilidades e males que revelou nos seres humanos:

“Benvindo, corona vírus, porque nos mostraste que estamos longe uns dos outros.”

Estas vozes mostraram simpatia pela pedagogia do castigo e do medo.

Muitas vezes é assim: descobrimos os valores quando sentimos a corda no pescoço.

Parece que só chegando a desgraça caímos em nós e mudamos de vida.

Falta-nos a experiência de ser amados e da misericórdia.

 

Existe a pedagogia do castigo e do medo.

Existe a pedagogia da misericórdia, da bondade, da verdade, da liberdade.

A pedagogia da misericórdia oferece em vez de pedir, partilha em vez de reter.

É a pedagogia do coração abundante para o outro.

A pedagogia do castigo e do medo guarda para si, acumula, ignora o outro, não reconhece o outro como digno.

É a pedagogia da desconfiança e da defesa.

 

Porque é tão difícil oferecer?

Porque é tão fácil acumular coisas inúteis que enchem salas e cofres de lixo?

Porque valorizamos mais as coisas que as pessoas?

Porque tanta dificuldade de partilhar por iniciativa da nossa liberdade?

 

Deus não retém para si mesmo, vem ao encontro, faz-se irmão, um de nós.

É a pedagogia da Encarnação, da gratuidade, da liberdade do amor.

Não precisamos de castigo e nem de medo.

Estamos à espera de uma catástrofe para nos aproximarmos uns dos outros?

Precisamos do Amor.

 

“Ninguém te chamará Abandonada, e a tua terra já não terá o nome de Desolada.

Serás chamada Minha Delícia e a tua terra terá por nome a Desposada. (...)

Como o jovem se casa com uma jovem, o teu Criador casará contigo;

como o esposo se alegra com a esposa, o teu Deus contigo Se alegrará.” (62, 4-5)

 

4 – Conduzidos por um menino

Cresce a erva, corre a água pelos campos, já se ouve o concerto para a paz,

Dormem o cordeiro e o leopardo, e um menino corta a juba do leão,

Foge a noite e nas cavernas brilham estrelas, e a alegria cobre a fome e a dor,

Erguem-se os cegos para ver, porque os homens não vão mais vender.

 

Diante do presépio, escutamos o concerto da paz.

É Deus que vem com poder: é o poder de um menino,

o poder da ternura, o poder sem poder,

o poder de desestruturar as nossas construções ideológicas,

as nossas estruturas de poder

e a nossa fé de seguranças e enganos.

 

Deixamo-nos conduzir por um menino.

Somos tocados pela proximidade de Deus, na nossa carne, no nosso ser,

somos feitos de Deus;

Tocados pela ternura de uma criança sem defesas, dependente e inocente;

Pela maternidade de Maria que nos ofereceu a Luz da Luz,

às trevas e à luz do mundo;

Tocados pelo pai José, o homem que acreditou e que pelos sonhos se deixou levar nos sonhos de Deus,

como um peregrino do Mistério.

Vemos os pastores e as ovelhas, a vaquinha e o burrinho,

as estrelas e os campos verdes num abraço de alegria e de paz.

 

É um momento de encanto que descontrói as ideologias,

as defesas pessoais e coletivas, as estruturas do mal.

Vamos à fonte, abraçamos o menino no olhar atento de Maria e José

e deixamo-nos desconstruir.

Desaprendemos para renascermos pela força da ternura

e pela confiança que vem do amor.

Buscamos a humildade para nos deixarmos conduzir por um menino.

Aceitamos desestruturar conceitos, hábitos, sentimentos e ideias

que nos dividem dentro de nós mesmos e com os outros,

com a natureza e com Deus.

Derrubamos mecanismos,

buscamos a proximidade com o que está dentro e com o que está fora de nós.

Procuramos ser uma História nova, homens e mulheres renascidos,

sonhos novos, estruturação nova da vida,

dimensão nova do existir: é Deus conosco!

E, como o Menino, aprendemos a andar, a falar, a conhecer o mundo

na dependência de Deus Pai e Mãe.

Aprendemos a ser guiados por Deus.

 

“O lobo viverá com o cordeiro e a pantera dormirá com o cabrito;

o bezerro e o leãozinho andarão juntos, e um menino os guiará;

pastarão juntos o urso e a vaca, e as suas crias ficarão deitadas lado a lado,

e o leão comerá feno como o boi.

A criança de leite brincará junto ao ninho da cobra,

E o menino meterá a mão na esconderijo da serpente.

Ninguém agirá mal nem provocará destruição no meu monte santo,

pois a Terra estará cheia do conhecimento do Senhor,

tal como as águas enchem o mar.” (Is 11, 6-9)

Pe. José Luís, Csh

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