Nas areias da praia: Caminhar na simplicidade

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Nas areias da praia:

Caminhar na simplicidade


Quando chegámos à praia, encontrámos a carcaça de uma jangada, meio enterrada na areia e meio ao vento. A água das marés tinha levado quase todas as tábuas do seu casco. Observando, pudemos ver a estrutura da jangada. Apesar de tudo, ainda permanecia a simplicidade de uma estrutura simples de uma embarcação simples. Nem pensar que tivesse ali o mastro da vela, o leme, ou alguma corda. Apenas a estrutura de madeira, e esta, carcomida pela água e pelo vento.

Sentámo-nos junto deste resto de jangada, pois o conjunto todo era inspirador: a areia da praia, perdendo-se ao longo da costa; a maré indo e vindo em pequenas ondas de um mar que se encontra com o céu no infinito; e a madeira da embarcação, sobressaindo da areia, aproveitando a maré baixa, como alguém que ainda permanece de pé. Os acessórios, talvez tenham desaparecido logo. A vela, possivelmente, foi aproveitada para outra jangada, e as madeiras que cobriam a estrutura foram levadas com a intensidade das marés.

Coisa interessante é esta das marés, até nelas o mar nos coloca dentro do realismo da vida. Percebemos a flexibilidade do mar, a ir e a vir, a encher-se e a esvaziar-se, como quem respira, no ritmo da vida, e sempre a quebrar-se na praia humilde de incontáveis milhões de areias. Até o mar que é o mar se quebra nas pontas do mar.

Às vezes, para nos sentirmos grandes e robustos, tornamo-nos inflexíveis, rígidos, ancorados nas nossas defesas encobertas, como no casco da jangada enterrado na areia. Se a nossa vida for ancorada nos valores e a nossa confiança bem estruturada, a flexibilidade acompanha-nos como sabedoria de quem atravessou muitas marés e viveu, porque soubemos distinguir o que é essencial. A autodeterminação flexível, centrada nos valores, é uma característica da maturidade pessoal.

O movimento das ondas e das marés, a ir e a vir, faz lembrar a nossa vida cheia de memórias, lembranças que vêm e que se vão. E no movimento das marés e das lembranças, fazendo-se e desfazendo-se, percebo um convite ao perdão. Aproveita para perdoar. Faz do perdão um dos dinamismos da estrutura da tua vida. A tua estrutura passará a ser simples e leve, segura, livre e libertadora, de memórias curadas. Vais poder sorrir nas areias da praia como uma menina ou um menino que encostou o seu nariz no nariz do seu pai ou da sua mãe e se abriu num sorriso lindo e encantador, na maior felicidade.

Quem encontrará uma vida que tenha na sua estrutura inspiração e flexibilidade? Normalmente, às pessoas falta verdade, falta-nos verdade. É muito fácil refugiarmo-nos numa vida de aparências, que nos trará grandes prejuízos. Falando bem simples: há estruturas que já não servem para nada, mas que ao serem mantidas são motivo de grandes gastos inúteis e desviam- -nos dos valores que assumimos viver. Isto é a mesma coisa que gastar inutilmente a vida, agarrados a pedaços de madeira que as marés desmancharam e levaram, madeira podre, que ainda boia na superfície, ou que está submersa, ou que se encostou às plantas rasteiras das margens da praia. Normalmente, a vida das pessoas é tão dispersa, ou tão defensiva, que não chega a ser nem intensa nem inspirada. Liberta a tua vida pelo perdão. Assume a liberdade do perdão na estruturação da tua vida.

Tudo passa, passam as experiências boas e as experiências más, vale apenas permanecer na simplicidade do amor. Só o mar imenso do amor de Deus permanece, para que permaneçamos nele como uma jangada no vento livre, ou um peixe leve na comunhão da água.

1. Neste momento, queremos colocar-nos diante do definitivo da vida. No fim, tudo se entrega para se encontrar com o absoluto da vida. Pede a Deus um encontro verdadeiro com Ele e a entrega no teu ser amoroso. Percebe a bondade que existe em ti. Nada sobra de ti, apenas a bondade que constitui o teu ser, todos os seres. Perde-te na bondade de onde vieste.

2. Repete sozinho para ti mesmo: «Ó luz do Senhor, que vens sobre a Terra, inunda o meu ser, permanece em nós.»

3. Estás na fonte do amor, entraste nela e rezas, respirando, «amar de amor». Reza durante 10 minutos.

4. Procura perceber qual tem sido a tua espiritualidade, a tua filosofia de vida. No concreto, tens gastado a tua vida em função de quê? E para quê? Qual tem sido o eixo da tua vida? És uma pessoa de fé, e, ao confrontares-te com o sentido último da vida, o que é que isso desperta em ti? Medo, preocupação, deceção, alegria, libertação?

– Percebe os teus sentimentos. Escolhe a simplicidade, deixa--te estruturar pela bondade. A simplicidade é a experiência da essência. A essência das coisas é a sua bondade. Pessoas geradas na bondade são pessoas simples. Procura os pedaços da tua estrutura. Junta os pedaços do teu ser. Com que é que podes contar para reconstruir a tua vida?

– A simplicidade torna-nos próximos do que é simples. Olhando para nós mesmos, sentimo-nos complicados. Sentir-se complicado é sentir-se com dificuldades de integração consigo mesmo, com os outros e com Deus. Desse modo, as nossas energias conflituam-se, a divisão instala-se dentro de nós, e a rejeição resseca-nos e consuma a nossa desarmonia.

– O que é a simplicidade? É a experiência da essência, da união, da comunhão, da verdade, da bondade. Só a palavra «mistério » consegue expressar a riqueza da totalidade da vida. Os simples caminham no mistério. Deus é luz, Deus é simples. Deus é comunhão, Deus é simples. O complicado desfaz-se sem nexo; o simples mantém-se na unidade e na identidade.

– Estruturas pessoais interiores, estruturas institucionais: como serão transformadas pela simplicidade do Reino? O que é que te torna complicado?

– Uma pergunta ao pé da orelha: estás disposto a morrer?

5. Recorda e medita a Palavra de Deus.

«Felizes os puros de coração porque verão a Deus» (Mt 5,8).

«Em primeiro lugar buscai o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dar-vos-á, em acréscimo, todas essas coisas» (Mt 6,33).

«Por causa de Cristo, porém, tudo o que eu considerava como lucro, agora considero como perda. E mais ainda: considero tudo uma perda, diante do bem superior que é o conhecimento do meu Senhor Jesus Cristo. Por causa dele perdi tudo, e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo, e estar com Ele» (Fl 3,7-8).

«Eu te louvo, Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos » (Lc 10,21).

«Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46).

6. Caminhar com Jesus: como é a simplicidade de Jesus?

– Jesus é a luz, é transparência, o seu interior é puro, é claro, não é opaco, não é confuso, não é complicado. «Eu sou a luz do mundo.» Dizia alguém: «À medida que mergulho em mim, sinto-me turvo, opaco.» A consciência de Jesus é una, transparente da pureza de Deus, da luz de Deus. «Os puros de coração verão a Deus.» A transparência de Jesus é a luz de Deus, a pureza de Deus.

– Jesus é próximo: Nada afasta Jesus das situações da vida. A sua capacidade de comunhão é infinita. É próximo dos pobres, dos pecadores, dos doentes, das mulheres, das crianças, de todos. Os sentimentos de proximidade são fruto da bondade de Jesus. Jesus é estruturado pela bondade de Deus, pelo ser de Deus, pela união com Deus Pai.

– A simplicidade de Jesus está na identidade entre o ser de Jesus e a sua missão: Jesus fala o que é, e faz o que é. O ser de Jesus e a sua missão brotam um do outro e contêm-se um ao outro. Em nós existe uma contradição entre o que somos e o Reino que anunciamos. Somos pela graça de Deus em nós.

– Jesus é a vida: no fim de tudo permanece a vida. Mesmo da morte surge a vida. Jesus assumiu a nossa vida, fez-se um de nós. Ele, que era de condição divina, assumiu a nossa condição, para nos dar a vida. A simplicidade é o segredo da vida.

7. Caminhar na simplicidade. Custou a acreditar: o mistério é simples.

Levou tempo para compreender, a simplicidade é a característica do mistério: os simples colocam-se diante do mistério e compreendem o mistério. Só os simples podem lidar com a vida como mistério e abandonar-se ao mistério. Na simplicidade colocamo-nos diante do mistério, a vida torna-se mistério e move-se dentro do mistério. Aquele que é simples sabe que a vida é mistério, aceita a vida como mistério e coloca-se na comunhão do mistério.

Depois de muito caminho, chegamos à simplicidade. A integração é fruto da simplicidade, e é também experiência da simplicidade; a desintegração é sinal de complicação. A pessoa desintegrada sente-se complicada.

A simplicidade é a experiência direta da vida, do sabor da vida. Na simplicidade tornamo-nos próximos, desprendidos, profundamente acolhedores, próximos das situações, das nossas vivências, a simplicidade leva à comunhão. A nossa vida alcança a verdade e a paz. O simples é o simplesmente ser.

A nossa identidade mantém-se na simplicidade, a nossa unidade mantém-se na simplicidade: na unidade de Deus, na identidade de Deus, na simplicidade de Deus, na bondade de Deus.

Pe. José Luís, CSh

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