O Jardineiro

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O Jardineiro

 

Estava no jardim, a admirar as flores e as árvores, dignas de admiração. 
Foi aí que foi confundido com o jardineiro. Ficou surpreso e, ao mesmo tempo, 
feliz com essa nova possibilidade da sua vida. Desde há vários anos vinha dizendo às pessoas que a Criação é um jardim, e que a Humanidade é chamada a cuidar
da Terra como de um jardim.
Que bom que existem jardineiros que cuidam de jardins. 
Que bom se cada ser humano aprendesse a ser jardineiro e a cuidar da
vida como quem cuida de um jardim. Canteiros, flores, árvores bonitas, 
plantas sensíveis e mais resistentes, as petúnias são vistosas, de variadas cores, originárias dos lugares tropicais e subtropicais da América do Sul, 
a afelandra, nativa brasileira, atrai beija-flores... 
a vida pode ser o nosso jardim. 
Fazer uma coisa bela é vocação do ser humano. 
Quando o jardim é bem cuidado, dá gosto entrar nele e nele passear, sentar-se, ler, 
conversar, abaixar-se para cheirar as flores. 
Quando o jardim é mal cuidado, em vez do gosto surge o desgosto.
O cuidado e o abandono produzem efeitos muito diferentes.
O desgosto é o sentimento de perda de uma coisa bela, querida, amada, 
pela qual sentimos responsabilidade. 
O gosto do jardim foi semeado em cada ser humano; a ausência do jardim é experimentada
no desgosto da vida. O desgosto traz a perda do gosto de viver, sonhar, arriscar, 
acreditar na beleza, na amizade, na utopia da vida.
O meu amigo tinha um jardim que no meio tinha um lago.
Água, patinhos e muitos peixes. Muitos pássaros a cantar e a beber nas suas margens. 
Mas durante meses a chuva não caiu, e o lago secou. 
E foi grande a tristeza, quase desgosto, por ver o lago desaparecer, 
assim como a vida que ele alimentava ao seu redor e dentro de si. 
O desgosto surge quando sentimos culpa pelo desaparecimento
de alguém querido, de algum bem. Se não existe essa responsabilidade, sentimos tristeza. 
O meu amigo não perdeu a esperança nem o gosto de viver, apesar da tristeza 
Que invadia o seu coração ao ver aparecer a cada dia 
o fundo do lago descoberto e a terra aberta. 
A Terra é o jardim que Deus deu à Humanidade. 
Ser jardineiro é a vocação de cada ser humano:
cuidar do jardim que Deus lhe deu, habitar o jardim, celebrar o amor no jardim, 
cultivar a alegria e a festa, a poesia e a ressurreição no jardim.

 

Cuidadores
O jardim é o berço da fraternidade, do crescimento, da utopia da terra nova. 
Jardineiros são artesãos da paz, da harmonia, da dignidade, da beleza, da poesia. 
Beleza, poesia, paz, dignidade, fraternidade... tudo está aí, 
existem, apenas precisam de ser encontradas, cultivadas, assumidas. 
Jardineiros são os cultivadores da Terra-paraíso. 
Não são os criadores, nem os projetistas, mas os cuidadores. 
A Terra foi-nos dada pelo Criador, como jardim, como paraíso. 
O Criador tem o projeto para que a Terra permaneça jardim. 
Os jardineiros estudam, conhecem, amam e assumem o projeto.
Quando os jardineiros quiseram assumir-se como donos do projeto, 
a guerra destruiu o jardim, e houve a fome, a tristeza e muito desgosto. 
Adão e Eva (a Humanidade) foram instituídos como primeiros jardineiros. 
Eles não entenderam o projeto, seguiram o seu próprio projeto e estragaram o jardim, 
Ganharam desgosto de si mesmos e vergonha de Deus e do jardim.

«O Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no jardim de
Éden, para o cultivar e guardar» (Gn 2,15).
«Quando ouviram o ruído do Senhor Deus, que passeava pelo jardim à brisa da tarde, 
o homem e a mulher esconderam-se do Senhor Deus no meio das árvores do jardim. 
Mas o Senhor Deus chamou o homem e perguntou: “Onde estás?” Ele respondeu:
“Ouvi o teu ruído no jardim. Fiquei com medo, porque estava nu, e escondi-me”» (Gn 3,8-10).

A morte de Jesus é uma consequência da harmonia quebrada.
Mas na ressurreição volta a alegria ao jardim, e Madalena confunde
Jesus com o jardineiro.

«Os anjos perguntaram: “Mulher, porque choras?” 
Ela respondeu: “Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram.”
Dizendo isto, Maria virou-se para trás e viu Jesus em pé, mas ela não sabia que era Jesus. Jesus perguntou-lhe: “Mulher, porque choras? Quem procuras?” 
Pensando que fosse o jardineiro, ela disse: “Senhor, se foste tu que o levaste, 
diz-me onde o colocaste, e eu irei buscá-lo.” 
Então, Jesus disse: “Maria!” 
Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: “Rabûni!” (que quer dizer: Mestre)» (Jo 20,13-16).

Na verdade, Jesus é o grande jardineiro que cuida das coisas do Pai. 
Ele assumiu o projeto do Pai e dedicou-se e entregou-se totalmente ao jardim. 
A Humanidade conhece a salvação e a libertação através d’Ele, 
«Caminho, Verdade e Vida», e a alegria volta ao jardim. 
Ele restaurou a Humanidade velha para ser Humanidade nova, no seu amor.

 

Projeto
O jardim precisa de terra, água, esterco, plantas e sol. 
Precisa de um projeto. 
Precisa de um jardineiro. Nenhum jardim se cuida sozinho.
Desenha esse projeto. Como gostarias que fosse o teu jardim?
Que flores e que árvores gostarias de ter no teu jardim? 
Colocarias alguma estátua no teu jardim? Quem? Porquê? 
A quem dedicas o teu jardim? Escreve uma dedicatória do teu jardim.
Quem gostarias que se sentasse no banco do teu jardim, para conversar? 
Senta-te com essa pessoa e conversa.
Coisa boa é trocar flores e plantas do nosso jardim 
com alguém que também possui um jardim. A troca enriquece e enche de alegria. 
Além disso, é bom saber admirar as plantas e as flores do jardim do outro.
O jardim precisa de terra, esterco, plantas, água e trabalho.
Colher flores e plantas lindas é muito aprazível; 
mexer na terra é mais difícil; e é ainda mais difícil mexer com o esterco. 
Mas assim é a nossa vida: quem não se dispõe a mexer na sua terra e no seu
esterco, acaba por secar. Ficamos vaidosos e artificiais, 
quando queremos apresentar flores sem mexer na terra e no esterco que somos. 
É como aquela pessoa que enche o seu jardim de flores artificiais, de plástico, 
ou de outros materiais, porque as flores naturais secaram, 
porque ela não quis mexer na sua terra, revirar a terra, 
semear ou plantar novas flores, aguar e estercar.

 

Missão
Mexer na terra, trabalhar a terra, cultivar o jardim, cuidar do jardim, 
são ocasiões especiais para nos sentirmos gente, para nos fazermos gente. 
Não é apenas o jardim que se enriquece com a ação da nossa inteligência, 
do nosso afeto e das nossas mãos. 
É a nossa própria vida que se harmoniza com o trabalho no jardim.
A missão enriquece-nos sempre abundantemente. 
A partilha do ser enriquece o ser e faz-nos ser. 
Fazemos a experiência da simplicidade, humildade, ternura e acolhimento, 
quando mexemos na terra ao cuidar do jardim. 
O caminho do jardim é um caminho interior que nos leva à harmonia, 
à fecundidade, à poesia, ao encontro da vida.
Precisamos de nos misturar com a terra para saber quem somos, 
nos acolher e produzir frutos. 
Precisamos de nos misturar com o esterco para nos alimentarmos da simplicidade, 
do perdão, da humildade. 
Precisamos de ser jardim, pelo sonho, pelas flores,
pela erva verde, pelas folhinhas tenras, pelos troncos robustos.
Resistência, simplicidade, fragilidade, humildade, sonho, utopia, constituem a vida. 
Ao cuidarmos do jardim aprendemos a lidar com a beleza e com o efémero. 
As flores que abrem também murcham; as plantas verdes também secam. 
Para cada estação há plantas e flores próprias. 
A vida é mudança e, por isso, ela é rica.  Mas permanece vida. 
Assim como a beleza permanece beleza e a bondade permanece bondade. 
Ser é viver e morrer, nascer, renascer, crescer e diminuir, ser terra, esterco, planta,
água, sonho, poesia e utopia, e, acima de tudo, simplicidade e gratuidade, dom.

 

Contemplação
O jardim é lugar de contemplação: ver, acolher, sentar-se, estar, admirar, 
sentir, encantar-se, cuidar, são essenciais para o nosso jardim. 
A nossa vida é pobre de contemplação? 
Como está o nosso jardim? Como está a nossa vida?
Naquele dia de madrugada, naquele nascer do sol, 
naquele jardim onde estava o sepulcro, o amor de Madalena contemplou
a morte transformar-se em vida. 
Podemos resumir tudo dizendo: o jardim é uma questão de amor.
A contemplação leva à integração das nossas riquezas 
e à descoberta da nossa identidade. 
Os diálogos com o jardim fazem-nos gente. 
Madalena reconheceu Jesus porque o escutou ao pronunciar o seu nome, «Maria», 
aquela voz que a conhecia e que ela gostava de ouvir, 
aquela voz que a fazia ser pessoa. 
Maria recuperou a intimidade do seu Senhor, e, nela, a Criação escutou 
a presença viva do Senhor ressuscitado.

Pe. José Luís, CSh

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