13 de Maio, Místicos e Peregrinos
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13 de Maio, Místicos e Peregrinos
De andarilho, de caminheiro e de peregrino, de todos temos um pedaço.
Em todas as condições damos passos,
mas como podem estar distantes os nossos passos!
O andarilho, sempre o vemos na estrada, dia e noite na estrada.
O andarilho não sabe por que caminha, como caminha, nem para onde caminha.
Vai perdido. Os passos repetem-se sem sentido e sem direção.
Vive na estrada para fugir de si mesmo e dos outros.
É movido pela angústia, pela rejeição, pela ausência, por conflitos.
O caminheiro acredita nas suas forças e na descoberta de novos caminhos.
Faz do caminho uma conquista pessoal.
Abre para si mesmo um caminho que espera seja melhor.
“Caminhante não há caminho, o caminho faz-se ao caminhar”.
Facilmente o desânimo atravessa o caminho do caminheiro e o tira do caminho.
O peregrino sabe que o caminho lhe é dado por uma liberdade maior.
Por isso, veste-se de humildade, deixa-se guiar,
despe-se de si mesmo para encontrar um ser maior.
O peregrino vai ao encontro da fonte, da luz, da paz, deixa-se encantar e conquistar.
Existe alguém maravilhoso, algum bem, que quer descobrir, encontrar.
Esse amor que o seduz pode constituir o princípio, o meio e o fim da sua vida.
Assim é a experiência mística cristã: funda a nossa vida desde o princípio até ao fim.
Argila e sopro, Tu nos fizeste de terra e de céu, mistura sagrada.
E, por isso, este nosso ser de peregrinos, esta identidade em processo,
este ser inacabado entre o agora e o depois, este instante insuficiente e pleno,
esta vida de já e de ainda não, este andar de esperança.
Somos peregrinos, peregrinos de nós mesmos, ser e não ser,
entre aquilo que sou agora e aquilo que posso ser, que sou chamado a ser, que desejo ser.
Peregrinos no caminho uns dos outros, transcendência horizontal.
Peregrinos do universo e da terra, transcendência da natureza, natural.
Peregrinos do Evangelho, do Amor da Trindade, transcendência envolvente e total.
Somos peregrinos, chamados, caminho e horizonte de ser.
Vai a nossa peregrinação entre o verde da azinheira
e “a Senhora mais brilhante que o sol”, festa do encontro da Terra e do Céu,
entre a nossa casa e a visão da Casa de Deus,
entre as nossas dores e a beleza da alegria sem dor,
entre o abraço do vazio e o aconchego terno e carinhoso dos braços da Mãe.
Vai a nossa peregrinação entre a doença e a saúde, entre o desemprego e o emprego,
entre a terra agreste e árida e o campo fértil, entre a guerra e a paz, entre a fome e o pão.
Vai a nossa peregrinação nos passos da vida de Jesus, rosário de oração.
Somos peregrinos, porque o sopro nos chama, caminho, verdade e vida,
porque o ser pó tem sede de ser lama, porque a pedra deseja jorrar a água viva,
porque este ser atual, insatisfeito e livre, é feito de anseios, desejos e buscas,
porque este caco, separado e perdido, deseja a comunhão da inteireza do pote,
ser um só, estar unido, num tecido de esperanças.
Fátima está dentro de nós, vai dentro de nós.
Em nossa peregrinação de luzes e escuridões,
a Mãe nos habita, nos unifica, nos significa, nos enche de amor,
entre encarnação e ressurreição, vida eterna que é aqui e depois:
“Aquele que acredita no Filho, possui a vida eterna” (Jo 3,36),
vida contínua de amor: “Se nos amamos uns aos outros, Deus está conosco,
e o seu amor realiza-se plenamente entre nós” (1Jo 4,12).
Peregrinamos, descobrindo, nas nossas fragilidades e nas nossas possibilidades,
a fraqueza e a liberdade de Deus, no centro, atrás e na frende de nós.
Peregrinamos porque acreditamos, sonhamos, confiamos.
Somos peregrinos em todos os níveis do nosso ser:
físico, afetivo, mental, espiritual, individual e social.
Deus é nosso companheiro de caminho, nosso guia, nosso defensor,
nossa luz, nossa fecundidade.
"Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará;
Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada" (Jo 14,23).
A transcendência nos faz peregrinos, percorrer caminhos e acampar.
Na realidade, ninguém inventa caminhos.
Os caminhos são nos dados pela transcendência da vida, liberdade de Deus.
Porque há liberdade, assim podemos ser livres e ir mais além;
por que há bondade, assim podemos ser habitados pelo amor e crescer no amor;
porque há luz, assim podemos ser filhos da luz, pés, rosto e coração de luz;
porque há inteligência, assim podemos crescer na inteligência dos valores da dignidade.
A transcendência abre para nós a condição de nômades.
A transcendência de Deus, a sua presença e a sua ausência,
nos faz caminhar e crescer, ser peregrinos.
Os peregrinos são caçadores de utopias. Gostam de seguir as nuvens.
Acreditar no Deus dos pobres, é ser peregrino.
Acreditar na paz, neste tempo armado, é ser peregrino.
Acreditar numa sociedade liberta do materialismo econômico,
consumista, elitista, é ser peregrino.
Acreditar em valores como transformação social, terra para todos,
reconhecimento da dignidade de todos, saúde para todos,
pão em todas as mesas, é ser peregrino.
Acreditar em relações de fidelidade entre as pessoas, é ser peregrino.
Acreditar na evangelização da juventude, é ser peregrino.
Existe dentro do povo de Deus uma porção de pessoas
que radicaliza a fé: são, como Maria, os “pobres de Javé”.
Colocam a sua confiança e esperança apenas em Deus, na sua ação, na sua fidelidade.
Os pobres de Deus estão despidos de todas as seguranças.
Apenas a segurança e a insegurança de viver em Deus os anima, sustenta, protege.
Vivem dos valores da fidelidade do Deus da vida,
Deus que foge e que aparece, mas que está, que é na história pessoal e do seu povo.
Todos os que caminham na fé tornam-se peregrinos.
O amor de Deus nos desafia à transcendência, à transformação, à insegurança.
E quando as nossas fragilidades se misturam com as fragilidades dos outros,
e a consciência da fragilidade fica mais clara,
mais fácil poderá brilhar para nós a luz da transcendência
e mais cedo poderemos buscar a integração das nossas fraquezas:
“quando sou fraco é que sou forte”, pela graça de Deus (2Cor 12,10).
Peregrinos ajudam-se na estrada, repartem o pão, curam as feridas,
partilham as alegrias e as dores, animam-se uns aos outros a perseverar no caminho.
Os peregrinos são pessoas que fazem a experiência do Mistério e caminham no Mistério:
Escondido em Deus, revelado em Jesus, presente na Criação inteira,
vivido e celebrado na Igreja, ação de amor, Mistério do Amor. (1Jo 1,1-4)
Peregrinos são pessoas místicas que fazem a experiência
da verdade, da bondade e da beleza e vivem na comunhão do amor essência,
unificador e reconciliador de todas as suas energias.
São pessoas “de coração manso e humilde”, que vivem a paz e promovem a paz,
habitadas de misericórdia, solidariedade e fraternidade,
próximas de tudo o que vive, na comunhão da vida.
Na comunhão do Ser, Deus Amor, Trindade Santa, elas aprendem a ser
e perseveram, na alegria e nas adversidades, como pessoas de luz.
Conseguem ver o reverso da vida, descobrir no fundo de tudo,
através e para lá de tudo, a presença do Amor Criador.
Pessoas místicas sentem que o “eu” é um “nós”
e que o “nós”, assim como o “eu”, é um encontro,
onde vivem a folhinha mais tenra, o bichinho mais frágil, o grão de areia,
o ar que respiramos, a água que bebemos, as pessoas que nos geraram,
aquelas que nos educaram, os companheiros de estrada, a natureza inteira,
o Amor Criador que nos habita nos abraça num só, em movimento solidário, sem fim.
Pessoas místicas são capazes de um olhar novo de profetas,
presença “interpeladora, agressiva e rebelde” do Deus libertador.
Fortalecidas pela experiência do amor fonte,
permanecem na esperança, mesmo nas situações de desgraça.
Como Moisés fazem a experiência do Deus amigo,
“O Senhor falava com Moisés face a face, como um homem fala com o amigo” (Ex 33,11),
próximo, presente em todas as horas, libertador, Senhor do caminho, do projeto da vida.
Pessoas místicas levantam e fincam as estacas, no chão da História,
como pessoas livres, desapegadas, compromissadas na libertação da Humanidade.
Caminham na inspiração de Deus, são pessoas desta vida e para além desta vida,
misturando na vida as realidades da terra e do céu, o eterno e o efêmero, o amor e o desamor, num grau elevado de consciência e de experiência da finitude e da infinitude.
Para os místicos não há confusão em viver o “já” e o “ainda não” do Reino de Deus.
Sabem que o já tem a força do que virá e o que virá está agora na experiência de amor
do seu coração eterno e frágil, em tensão de crescimento para a plenitude.
Pessoas místicas fazem a experiência da totalidade da vida,
do céu e do inferno, do bem e do mal, do sofrimento e da alegria,
e deixam-se conquistar pela máxima alteridade que é a presença de Deus,
revelado e oculto, encarnado e totalmente outro.
É a experiência do Amor que reconcilia a vida, Amar de Amor de Deus,
que estoura as fronteiras e nos dá o dom de comungar em nós tudo o que está além de nós,
como mistério de simplicidade, de amor e de luz.
Os peregrinos se abraçam, o amor caminha no chão,
Encarnação é encontro, a luz do aqui e agora,
o amor é uma estrada na estrada do Amor.
Pe. José Luís, CSh
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